1.
Ela agora só pode amar
com a paixão contida
da borboleta espetada na placa de isopor.
(De vez em quando uma asa estala
e sai voando pela sala
e quer quebrar o abajur.)
2.
Trazia nas mãos pressurosas
o ramo das rosas do arrependimento.
E no botão da rosa mais vistosa
a abelha venenosa
que bulia por dentro.
3.
A raiva invadiu a casa
numa labareda violenta.
Crestou tudo!
Agora os dois carregam baldes de água
para dentro,
espionados pelos vizinhos,
que olham de longe,
por trás de gelosias engelhadas.
SANDMANN, Marcelo. Lírico Renitente. Rio de Janeiro: 7Letras, 2000.
Currículo Resumido
Marcelo Sandmann nasceu em Curitiba, em 15 de novembro de 1963. Graduou-se em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1989, onde defendeu, em 1992, dissertação de mestrado intitulada A poesia de José Paulo Paes. Em 2004, concluiu doutorado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em Teoria e História Literária, com a tese Aquém-além-mar: presenças portuguesas em Machado de Assis. É professor na UFPR desde 1992, atuando no curso de graduação em Letras e na pós-graduação em Estudos Literários.
Vem publicando poesia e ensaios sobre música popular e literatura brasileira e portuguesa em suplementos literários e revistas acadêmicas, como a Revista Letras, da UFPR, a Revista do Centro de Estudos Portugueses, da USP, ou ainda revistas de poesia e arte como Medusa, Babel, Sibila, Sebastião, Et Cetera, Oroboro, Poesia Sempre e Travessias (suplemento literário da Revista Camoniana).
Em 2000, veio a público seu primeiro livro de poesia, Lírico Renitente (Rio de Janeiro: 7Letras). Integra a antologia Passagens (Curitiba: 2002), de poetas paranaenses, organizada por Ademir Demarchi e publicada pela Imprensa Oficial do Estado do Paraná, na Coleção Brasil Diferente. Em 2006, lançou Criptógrafo Amador (Curitiba: Editora Medusa), que reúne poemas escritos desde 2000 até aquela data.
É também autor de canções, tendo lançado, em 1998, o CD Cantos da Palavra (Independente), com parcerias com Benito Rodriguez, interpretações de Silvia Contursi e produção musical de Paulo Brandão, premiado na categoria “Revelação” do IV Prêmio Saul Trumpet, “Os Melhores da Música Paranaense 98”.
Composições suas integram o repertório de diferentes artistas, como o grupo Fato (CDs Fogo Mordido, de 1996, Oquelatá Quelateje, de 2001, Oquelatá Vivo, de 2002, e Músicaprageada, de 2006), Rogéria Holtz (CD Acorda, de 2003), Alexandre Nero, Fabiano Medeiros (CD Achado, de 2002), Anna Toledo (CD Frescura, de 2005), Guêgo Favetti (CD Branco, 2007), Selma Baptista, Michelle Pucci, Vanessa Longoni (A mulher de Oslo, 2008) e o grupo ZiriGdansk. Tem ainda canções em parceria com os músicos Cláudio Menandro, Grace Torres, Ulisses Galetto, Glauco Sölter, Arthur de Faria (CD Música pra bater pezinho, de Arthur de Faria e Seu Conjunto, 2005) e Emerson Mardhine.
Em 2000/01, participou como curador regional para os Estados do Paraná e Santa Catarina do projeto Rumos Itaú Cultural Música - Cartografia Musical Brasileira, do Instituto Itaú Cultural. Em 2005/06, também dentro do Rumos Música do mesmo Instituto Itaú Cultural, teve duas canções de sua autoria, interpretadas por Fabiano Medeiros e Rogéria Holtz, selecionadas para registro em meio digital e divulgação em rádios de todo o pais.
Em 2007, selecionou e redigiu textos para o espetáculo cênico “Cores do Brasil”, apresentado pelo Coro da Camerata Antiqua de Curitiba no Teatro Paiol (2007 e 2008) e em festival na Dinamarca (2008), sob direção musical de Helma Haller e direção cênica de Jaqueline Daher.
Acima, o currículo resumido que foi generosamente fornecido (além de diversas outras informações e materiais) pelo próprio autor, em resposta à solicitação de dados.
Abaixo, o haicai-currículo:
Marcelo Sandmann:
Lírico renitente,
Cantor de palavra!
Este é o poema musicado, interpretado por Vanessa Longoni.
"As Coisas da Casa" é a terceira faixa do CD A Mulher de Oslo de 2009.
O show A Mulher de Oslo obteve o Prêmio Açorianos de Música, melhor espetáculo de 2006.
Algumas observações preliminares a respeito do poema de Marcelo Sandmann, escolhido para apresentação a ser feita em sala:
O poema "AS COISAS DA CASA", publicado no livro Lírico Renitente, tem três partes, três momentos. Na primeira parte, predomina uma situação, na segunda um acontecimento e na terceira um resultado.
Na frase, “As Coisas” esta determinado por “da Casa”. Os artigos empregados no título determinam casa e coisas.
Não são quaisquer coisas, nem qualquer casa. As coisas são o conteúdo da casa, e a casa o continente das coisas.
A relação de conteúdo e continente (bem como a idéia de restrição) é manifestada durante todo o transcorrer do poema:
As partes são três, a segunda contida pelas outras duas.
No título, as coisas estão contidas na casa.
Na primeira parte, a forma de amar agora tem uma só opção: a paixão contida; a borboleta, antes no casulo, agora jaz espetada; o isopor, para ser fabricado, deve ser contido por um molde a fim de adquirir o formato desejado.
A segunda estrofe desta primeira parte esta contida pelos parênteses, e, até mesmo o ponto final esta dentro
"Ela agora..." nada mais contido que o infinitésimo presente: agora! Eternamente preso (ainda que em perpetuum mobile) entre os infinitos passado e futuro
Agora, mas por que não ágora? Praça principal da Grécia antiga, também, de certa forma, estava cercada por edifícios e continha quem e o que nela estivesse.
Quando algo preso se libera (justo a asa, símbolo de liberdade), à força de estalo, não sai pela janela, mantém-se dentro da sala. Quem sabe quer quebrar o abajur na tentativa de conter-se novamente.
Na segunda parte, o possuidor das mãos, que pressurosamente contém, esta trazendo (para dentro da casa) algo que também contém coisas: o ramo prende e contém as rosas dentre as quais a mais vistosa (fechada, em botão), cujo conteúdo é a abelha. Nela esta o veneno, que só sai do ferrão para dentro de algo ou alguém. Talvez um veneno contendo futura invasora: a raiva.
Na terceira parte, a raiva (sempre contida antes de poder se manifestar) entra à força na casa: invade! Invasão é “ir para dentro”. Não sem forma ou limite (contorno, borda), mas sim como labareda violenta.
Como resultado, crestou tudo. Crestar, em que pese o seu significado atual (tostar, queimar de leve), tem como étimo o verbo latino crustare, que significa cobrir, revestir e também dá origem a palavra crosta.
Os dois carregam baldes de água para dentro. Podiam trazer, ter ido buscar, mas carregam. Carregar é “por carga em”.
Nenhuma menção é feita a saída. Até quando a idéia de estar fora é transmitida, logo se esvai quando percebe-se que o sair acontece puramente para que se possa, outra vez, entrar.
Os baldes contém água, elemento extremamente ligado à ideia de continente e conteúdo transmitida. Pois, de modo similar aos dois que a carregam no poema, sempre que flui, o faz para ser novamente contida ciclicamente: jamais sossega senão quando contida.
Os acontecimentos finais desenrolam-se intensificando a mesma ideia. Os dois são espionados pelos vizinhos. Pacientes e não agentes da ação.
Quem espiona coleta informação com o intuito de trazê-la ou envia-la para o lugar de onde nunca pode (de maneira figurativa) sair, pois é lá onde mora seu coração (nem que seja esse uma enferrujada caixa-registradora). Não se espiona sem estar-se preso a algo. O que se espiona é captado para entrar em outro lugar.
Espionar se faz às escondidas, secretamente, disfarçado, infiltrado, muitas vezes de maneira latente.
Os próprios agentes da ação, os vizinhos, devidamente contidos nas casas e na atitude, olham de longe, por trás de persianas com lâminas na horizontal, que dão o corte final ao poema.
A relação de conteúdo e continente (bem como a idéia de restrição) é manifestada durante todo o transcorrer do poema:
As partes são três, a segunda contida pelas outras duas.
No título, as coisas estão contidas na casa.
Na primeira parte, a forma de amar agora tem uma só opção: a paixão contida; a borboleta, antes no casulo, agora jaz espetada; o isopor, para ser fabricado, deve ser contido por um molde a fim de adquirir o formato desejado.
A segunda estrofe desta primeira parte esta contida pelos parênteses, e, até mesmo o ponto final esta dentro
"Ela agora..." nada mais contido que o infinitésimo presente: agora! Eternamente preso (ainda que em perpetuum mobile) entre os infinitos passado e futuro
Agora, mas por que não ágora? Praça principal da Grécia antiga, também, de certa forma, estava cercada por edifícios e continha quem e o que nela estivesse.
Quando algo preso se libera (justo a asa, símbolo de liberdade), à força de estalo, não sai pela janela, mantém-se dentro da sala. Quem sabe quer quebrar o abajur na tentativa de conter-se novamente.
Na segunda parte, o possuidor das mãos, que pressurosamente contém, esta trazendo (para dentro da casa) algo que também contém coisas: o ramo prende e contém as rosas dentre as quais a mais vistosa (fechada, em botão), cujo conteúdo é a abelha. Nela esta o veneno, que só sai do ferrão para dentro de algo ou alguém. Talvez um veneno contendo futura invasora: a raiva.
Na terceira parte, a raiva (sempre contida antes de poder se manifestar) entra à força na casa: invade! Invasão é “ir para dentro”. Não sem forma ou limite (contorno, borda), mas sim como labareda violenta.
Como resultado, crestou tudo. Crestar, em que pese o seu significado atual (tostar, queimar de leve), tem como étimo o verbo latino crustare, que significa cobrir, revestir e também dá origem a palavra crosta.
Os dois carregam baldes de água para dentro. Podiam trazer, ter ido buscar, mas carregam. Carregar é “por carga em”.
Nenhuma menção é feita a saída. Até quando a idéia de estar fora é transmitida, logo se esvai quando percebe-se que o sair acontece puramente para que se possa, outra vez, entrar.
Os baldes contém água, elemento extremamente ligado à ideia de continente e conteúdo transmitida. Pois, de modo similar aos dois que a carregam no poema, sempre que flui, o faz para ser novamente contida ciclicamente: jamais sossega senão quando contida.
Os acontecimentos finais desenrolam-se intensificando a mesma ideia. Os dois são espionados pelos vizinhos. Pacientes e não agentes da ação.
Quem espiona coleta informação com o intuito de trazê-la ou envia-la para o lugar de onde nunca pode (de maneira figurativa) sair, pois é lá onde mora seu coração (nem que seja esse uma enferrujada caixa-registradora). Não se espiona sem estar-se preso a algo. O que se espiona é captado para entrar em outro lugar.
Espionar se faz às escondidas, secretamente, disfarçado, infiltrado, muitas vezes de maneira latente.
Os próprios agentes da ação, os vizinhos, devidamente contidos nas casas e na atitude, olham de longe, por trás de persianas com lâminas na horizontal, que dão o corte final ao poema.
No livro, de 56 páginas, Lírico Renitente, o poema "AS COISAS DA CASA" inicia na página 30, local que pode ser considerado, grosso modo, o meio do livro. Físicamente, o poema encontra-se de certa forma contido, posto que o mesmo não se encontra logo nas primeiras ou nas últimas páginas.
Curiosamente, antecede "AS COISAS DA CASA" (tanto no Lírico Renitente, quanto na antologia PASSAGENS¹, p.198) o poema "AXIAIS" cuja última palavra é "mão".
Ricardo Borges
1- PASSAGENS: Antologia de poetas contemporâneos do Paraná. Seleção de textos Ademir Demarchi. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2002
PS.Não conseguí dar o formato original ao último verso do poema, que graficamente se inicia exatamente abaixo da letra "m" da palavra "olham".
PS.2 Segue o vídeo com outro poema do Marcelo Sandmann cuja letra, interpretada pelo próprio, é extremamente significativa e, infelizmente, bastante atual.
PS.Não conseguí dar o formato original ao último verso do poema, que graficamente se inicia exatamente abaixo da letra "m" da palavra "olham".
PS.2 Segue o vídeo com outro poema do Marcelo Sandmann cuja letra, interpretada pelo próprio, é extremamente significativa e, infelizmente, bastante atual.
Ao final desta apresentação, o poema ""BAR DESESPERANÇA" (O ÚLTIMO QUE FECHA)", declamado pelo guitarrista (solicitando ao garçom uma dose de soda cáustica, da boa!) é encontrado no segundo, e também excelente, livro do Marcelo Sandmann, Criptógrafo Amador² em "15 PARNASIANAS (À PAISANA) REUNIDAS AO ACASO".
2 - SANDMANN, Marcelo. Criptógrafo Amador. Curitiba: Medusa, 2006.
Marcelo Sandmann:
Lírico Renitente,
Cantos da Palavra...
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